MAIS DO QUE 'RABISCOS' NAS PAREDES
É arte ou é vandalismo? É graffiti ou algo diferente? Tudo o que é feito no espaço público pode ser arte? São várias as questões que ainda permanecem sobre o que é, afinal, a arte urbana. Perante o conflito identitário, vários artistas de Lisboa tentam dar as respostas possíveis.
As imagens usadas no vídeo foram gentilmente cedidas pelos vários artistas.
Às vezes chamam-lhe graffiti, outra vezes reduzem-na para ‘rabiscos’ nas paredes. A verdade, contudo, é que a arte urbana se tem assumido, de cabeça erguida, com um valor artístico muito próprio. Nascida em Nova Iorque, a street art tornou-se "o primeiro fenómeno de arte mundial", argumenta o artista Add Fuel, valorizando o papel da Internet. Mesmo assim, a confusão com o graffiti é frequente: tanto porque esta foi a sua origem, como porque o spray de tinta continua a ser a técnica mais usada nas paredes.
A fronteira entre ambos – street art e graffiti – é fluída e em constante mutação. Os mais puristas assumem o graffiti exclusivamente como lettering/ tags (os nomes e letras desenhados as paredes), a spray, feito de forma ilegal e territorial. A arte urbana seria tudo o resto. Daí que, hoje em dia, possam conviver, em murais e fachadas, traços de pincel, marcas de stencil, colagens e, até, trabalhos como as micro-explosões controladas na parede de Vhils ou os pedaços de sucata esculpidos em novas formas de Bordalo II. A imaginação é, passe o cliché, o limite. Mas também há quem chame de graffiti a isto tudo, ou quem recuse, pura e simplesmente, qualquer tipo de rótulo. "Posso ser considerado, no máximo, um artista que pinta num suporte diferente, num material diferente", reflete MAR, um dos pesos-pesados deste tipo de intervenções, em Portugal.
As diferenças entre arte urbana e a dita arte convencional parecem ser, à primeira vista, mais consensuais. Trata-se, sobretudo, de escala e de contacto com o público. A arte urbana "comunica obrigatoriamente", comenta Leonor Brilha, que tem vindo a assinar alguns trabalhos murais em Lisboa, a par das peças como ilustradora. The Super Van, com percurso semelhante, acrescenta: "em vez de ir a uma galeria ver o meu trabalho, vais passear na rua e vês o meu trabalho; para mim é uma arte mais acessível". “É um movimento artístico que chega às pessoas, comunica com quem está na rua e faz com que haja um alerta para a arte, porque a maioria das pessoas não vai a um museu”, sublinha MAR. Se a ida a uma galeria é uma opção consciente do espectador, a arte urbana surge como um ‘murro no queixo’. Está ali, existe na cidade, comunica sem pedir autorização.
A efemeridade é outro dos traços característicos. "Pode cá estar hoje e amanhã já não", lembra The Super Van. Cai a chuva, chega outro writer para tapar com novos sprays o que foi inscrito na parede ou derrubam-se paredes. É disso exemplo a fachada de arte urbana dedicada a José Saramago e Pilar, em frente à Fundação do escritor, que recentemente foi demolida para dar lugar a um parque de estacionamento. Na parede da rua, a pintura perde-se ou transfigura-se. Faz parte do ADN deste tipo de arte e contrariá-lo acaba por desvirtuar o seu impacto e vivência ao ritmo da cidade. MAR cita um exemplo: o caso caricato da sua pintura numa empena em Alcântara, na qual dois bonecos, de um universo imaginário colorido, lutam entre si. Em 2014, uma superfície comercial decidiu tapar, com uma tela publicitária, o trabalho artístico, gerando uma reacção a larga escala nas redes sociais. Após a remoção da tela, os personagens não puderam continuar sossegados: apanhados numa cheia, “pareciam nadar por cima de água”, ganhando novo cenário inesperado. “A pintura acaba por ‘viver’, ter um percurso muito próprio”, fora das intenções do artista.
Saída do museu para a rua, a street art caminha agora pelo trilho inverso e começa a chegar aos museus, lugares de exposição e casas de particulares. Bordalo II, conhecido pelas suas obras tridimensionais de crítica socio-política, já expôs no Centro Cultural de Belém, por exemplo. Por seu lado, a galeria Underdogs, projecto do artista português de fama internacional Vhils, tenta promover uma dupla vertente interior/exterior de autores de arte pública. Ou seja, associar uma exposição de trabalhos em galeria de um determinado artista com uma intervenção em grande escala de street art.
A fronteira entre ambos – street art e graffiti – é fluída e em constante mutação. Os mais puristas assumem o graffiti exclusivamente como lettering/ tags (os nomes e letras desenhados as paredes), a spray, feito de forma ilegal e territorial. A arte urbana seria tudo o resto. Daí que, hoje em dia, possam conviver, em murais e fachadas, traços de pincel, marcas de stencil, colagens e, até, trabalhos como as micro-explosões controladas na parede de Vhils ou os pedaços de sucata esculpidos em novas formas de Bordalo II. A imaginação é, passe o cliché, o limite. Mas também há quem chame de graffiti a isto tudo, ou quem recuse, pura e simplesmente, qualquer tipo de rótulo. "Posso ser considerado, no máximo, um artista que pinta num suporte diferente, num material diferente", reflete MAR, um dos pesos-pesados deste tipo de intervenções, em Portugal.
As diferenças entre arte urbana e a dita arte convencional parecem ser, à primeira vista, mais consensuais. Trata-se, sobretudo, de escala e de contacto com o público. A arte urbana "comunica obrigatoriamente", comenta Leonor Brilha, que tem vindo a assinar alguns trabalhos murais em Lisboa, a par das peças como ilustradora. The Super Van, com percurso semelhante, acrescenta: "em vez de ir a uma galeria ver o meu trabalho, vais passear na rua e vês o meu trabalho; para mim é uma arte mais acessível". “É um movimento artístico que chega às pessoas, comunica com quem está na rua e faz com que haja um alerta para a arte, porque a maioria das pessoas não vai a um museu”, sublinha MAR. Se a ida a uma galeria é uma opção consciente do espectador, a arte urbana surge como um ‘murro no queixo’. Está ali, existe na cidade, comunica sem pedir autorização.
A efemeridade é outro dos traços característicos. "Pode cá estar hoje e amanhã já não", lembra The Super Van. Cai a chuva, chega outro writer para tapar com novos sprays o que foi inscrito na parede ou derrubam-se paredes. É disso exemplo a fachada de arte urbana dedicada a José Saramago e Pilar, em frente à Fundação do escritor, que recentemente foi demolida para dar lugar a um parque de estacionamento. Na parede da rua, a pintura perde-se ou transfigura-se. Faz parte do ADN deste tipo de arte e contrariá-lo acaba por desvirtuar o seu impacto e vivência ao ritmo da cidade. MAR cita um exemplo: o caso caricato da sua pintura numa empena em Alcântara, na qual dois bonecos, de um universo imaginário colorido, lutam entre si. Em 2014, uma superfície comercial decidiu tapar, com uma tela publicitária, o trabalho artístico, gerando uma reacção a larga escala nas redes sociais. Após a remoção da tela, os personagens não puderam continuar sossegados: apanhados numa cheia, “pareciam nadar por cima de água”, ganhando novo cenário inesperado. “A pintura acaba por ‘viver’, ter um percurso muito próprio”, fora das intenções do artista.
Saída do museu para a rua, a street art caminha agora pelo trilho inverso e começa a chegar aos museus, lugares de exposição e casas de particulares. Bordalo II, conhecido pelas suas obras tridimensionais de crítica socio-política, já expôs no Centro Cultural de Belém, por exemplo. Por seu lado, a galeria Underdogs, projecto do artista português de fama internacional Vhils, tenta promover uma dupla vertente interior/exterior de autores de arte pública. Ou seja, associar uma exposição de trabalhos em galeria de um determinado artista com uma intervenção em grande escala de street art.
Okuda, artista espanhol conhecido pelas suas mesclas de cores fortes com figuras cinzentas, foi um dos nomes que passou pela galeria, em 2014. Lá, com a exposição “Vidas Inertes” apresentou instalações, telas e esculturas. Tudo com a mesma linha gráfica da peça que acabou por pintar, na altura, ao longo de uma parede de Marvila, nas vizinhanças da Underdogs.
Em paralelo, já é possível também ter um artista a pedido, até para fazer arte nas paredes lá de casa. A plataforma Urban-Art, apresentada em Fevereiro de 2015, apresenta-se como um meio de transporte da arte da rua para a decoração de interiores. Através de uma galeria virtual, o projecto permite escolher o artista, o desenho, a dimensão da obra e simular o preço final. Do graffiti provocador e subversivo, já pouco restará nesta comercialização da arte urbana ‘a la carte’. Também o nome ‘arte urbana’ deixa de ser apropriado – uma vez que não tem o espaço público como suporte. Porém, acaba por ser a melhor maneira de fixar, de alguma forma, o traço da arte urbana e contrariar a sua efemeridade. Resta saber se o futuro da arte urbana – e da remuneração dos seus autores – passará mesmo por aqui, de forma disseminada. |
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a Galeria de Arte Urbana de Lisboa |